segunda-feira, 30 de julho de 2007

Altruísmo

eu nada mais sou

que um artifício gramatical

para que você

possa ser

nós

terça-feira, 24 de julho de 2007

Maioridade

hoje é ele
quem pousa
a mão em meu
ombro
e o seu sorriso
inventado
já e maior
que o futuro

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Restos

o gato na cama
me reclama
como pode
me morde
a orelha
e saboreia
o fato raro
daquele espaço:
sou rato:
rôo ruidosamente o que calo

quarta-feira, 11 de julho de 2007

Proteu

O mar e o teu
corpo tem
essa onda que
dá em mim
e os dois tem
sal e brisa
suave, e uns
fósseis de seres
que habitaram
antes e essas coisas
pequenas que eu
não sei o nome

O mar e o teu
corpo são
calmos, só
se agitam nas
tempestades
quando me afogam
e os dois tem
a areia quente
ao redor, e me
dão vontade
de cerveja gelada
à sombra de
qualquer um

O mar e o teu
corpo são
tão iguais
que sei que não
podem existir
a não ser na
música distante
que soa através da
concha de onde
nunca saí

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Maclaba

Contaram-me o segredo daquela cidadezinha, assim, como se fosse sacanagem. E não podiam. Contaram e eu nem acreditei. E nem podia. Só peguei o avião. Precisava. Depois os infinitos buracos da estrada. Fui. Não dei atenção ao tal mistério. A Cláudia ainda teve medo. Só alguns dias, falei. Não vai acontecer nada. E eu nem podia saber. Eles nem podiam ter contado. O segredo. Mas eu não acreditei mesmo, eu acho. Como eu poderia acreditar? Eu, com 32 anos. Cabelos castanhos. Noivo. Novamente senhor de mim. Auditor. Sem temor de nada daquilo. Com certezas absolutas. Eu, que venci lutas, que escapei do abismo. Às vezes cismo em ainda olhá-lo: lisérgico, coca, maconha. Larguei. Acabou. Mudei. Maclaba: nunca deve ser dito.

Cheguei no final da tarde. O poente solidário ao vermelho da terra. Procurei o hotel. Ruim. Lembrou-me da minha primeira trepada. Não, só do motel. Do resto esqueci. Esqueci de comer. Liguei pra Cláudia, estou com saudade. Saí, andei um pouco pela rua. Lembrei. O segredo. Olhei nos olhos da velha varrendo a calçada. Descalcei os sapatos, deitei. Lembrei de comer. Lembrei da puta da primeira vez. Tive algumas dúvidas a respeito do meu trabalho no dia seguinte, e liguei para o escritório. Fechei a pasta. Tirei a roupa. O banho frio. Finalmente lembrei. O segredo. Sonhei com a velha da calçada. O sorriso. O rosto surrado. A vassoura gasta. A pasta de documentos. A massa do hotel. A merda da vida. O sorriso. O segredo. O céu vermelho. Os olhos vermelhos. O pesadelo. O sangue. A mata. A larva. Acaba! Maclaba: nunca deve ser dito.

Os únicos que não pude largar foram o tabaco e umas doses de vez em quando. Como o sol ainda não tinha nascido, fiquei. Goles e fumaça. Olhei pela primeira vez a montanha. A mata. A noite. O segredo. Lembrei da mulata da primeira vez. Lembrei da onda. Cannabis Sativa. Na praia. De manhã. A noite mal dormida. O vermelho dos olhos solidário ao chão. A Prefeitura. Fiz o meu trabalho como pude até a hora do almoço. Algo me perturbava. O segredo. Saí. Procurei nos olhos dos pedestres. Não os achei solidários. O sorriso das crianças. Eles não sabiam. Mas podiam notar. A Cláudia. A comida. A cerveja. O cigarro. Mais trabalho. Os funcionários me olhavam nervosos. Nunca tive pena. As contas, por favor. A propina. Os olhos vermelhos. Saí. A noite. A mata. Queria ir direto pro quarto, dormir. Mas a velha não tirava os olhos de mim. Nem varria mais. O sorriso se mexia. A mão trêmula. A lágrima. O pavor. Adormeci com a imagem. O segredo. Os lábios. Os livros. Os velhos. Eu que havia muito não lia nem acreditava. Vagava sem sono. Como a velha da calçada. Lembrei. A montanha. O murmúrio. As letras. As sílabas. A mágica. Calada. Maclaba: nunca deve ser dito.

Toda manhã tinha merda de cavalo na frente do hotel. As larvas me incomodavam. Lembravam-me. O segredo. E moscas rodeavam meu caminho. O sol forte. A pele já solidária ao vermelho do pó. Saía cedo. O trabalho. Os funcionários já davam tapinhas em minhas costas. As crianças pararam de sorrir. O almoço. A cerveja. O cigarro. Sempre. Passava muito tempo na biblioteca. Procurava. O segredo. A saída. Lisérgico. Consegui quem me desse. As sílabas andavam em minha boca. O monte de bosta no hotel. A larva. A montanha. Todo dia eu olhava nos olhos da velha. Os séculos. O murmúrio. Agora ela já tinha esperança. Mal dormia. Apenas sonhava. O cheiro do hotel lembrava aquela minha tia. A primeira vez que fui a um cemitério. Lembrava o motel. A mulata. A puta. A punheta. A tragada. A viagem. O banho frio. Frases antigas. A chave. A Cláudia. A Morte. Maclaba: nunca deve ser dito.


Só entendi que era o dia do meu aniversário muito depois que a Cláudia chegou com o bolo. É nessa espelunca que você tem vivido? Percebi que já era tempo. Ela resmungou sobre a barba. Olhou estranho. Peguei a bebida. Ofereci. Tinha algo mais ali. Lisérgico. Saímos caminhando entre as sílabas mágicas. Ela nem notou a merda. Nem a larva. O segredo. A velha sorrindo em aprovação. Tinha a mesma cara da puta da primeira vez. Não, era a cara da tia. E ela nem era mulata. Nos seguiu. O alto. A montanha. A mata. A larva caminhando entre as cascas. A cruz retorcida. O poente solidário ao sangue. O sexo. O quase orgasmo no sorriso da velha. A Cláudia. O segredo. As palavras. O murmúrio. A coisa que saía dos poros. A larva renegando a casca. Os espinhos. Meus dedos. Os dentes. O poente desaparecendo. Algo nasce. O sangue. O sabor. O horror. Vermelho. A morte. Acaba! Vermelho. Acaba! Maclaba: só eu pude ouvir o grito.

Não costumo mais ir à biblioteca. Cansei de procurar. O segredo. Não desisti. Apenas sei. Não ligo mais pra merda na frente do hotel. Não há saída. Ninguém mais me olha nos olhos ao voltar pra casa. Os funcionários sorriem. As crianças me evitam. Nunca esqueço de comer. O sangue. A propina. As meninas. Não há mais lisérgico. Nem penso na larva. O vermelho da terra é solidário aos meus crimes. O sorriso. O sabor. Não preciso mais da velha. Tenho meus séculos. Não durmo. Nem sonho. Não serei como ela. Não esperarei um estranho. Gosto da cidadezinha. O abismo. Lembra-me a primeira vez que ouvi as palavras. O segredo. A montanha. A mata. O murmúrio. Não sairei. Mudei as sílabas antigas. As letras caladas. O som. A morte. O vermelho. A mágica não acaba. Maclaba: nunca mais será dito.